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O LIVRO DE URANTIA


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DOCUMENTO 140

A ORDENAÇÃO DOS DOZE

Pouco antes do meio-dia, no domingo, 12 de janeiro do ano 27 d.C., Jesus reuniu os apóstolos para a ordenação deles, como pregadores públicos do evangelho do Reino. Os doze estavam esperando ser chamados a qualquer dia; e, assim, nessa manhã eles não foram muito longe da margem para pescar. Vários deles permaneciam perto da margem, fazendo reparos nas suas redes e consertando a sua parafernália de pesca.

Quando Jesus desceu até a praia, chamou os apóstolos e saudou primeiro a André e Pedro, que estavam pescando perto da margem; em seguida ele sinalizou para Tiago e João, que estavam em um barco por perto, conversando com Zebedeu, o pai deles, e remendando as suas redes. Dois a dois, ele convocou os apóstolos e, quando tinha reunido todos doze, seguiu com eles para as terras altas ao norte de Cafarnaum, onde continuou a instruí-los em preparo para a ordenação formal deles.

Por uma vez, todos os doze apóstolos encontravam-se em silêncio; até mesmo Pedro estava disposto a refletir. Afinal, a hora tão esperada tinha chegado! Eles seguiam a sós com o Mestre, para participar em alguma espécie de cerimônia solene de consagração pessoal, e de dedicação coletiva ao trabalho sagrado de representar o seu Mestre, na proclamação da vinda do Reino do seu Pai.

1. A INSTRUÇÃO PRELIMINAR

Antes do serviço da ordenação formal, Jesus falou aos doze, assentados todos em volta dele: “Meus irmãos, chegou a hora do Reino. Estais aqui comigo, isolados, porque eu vos vou apresentar ao Pai como embaixadores do Reino. Alguns de vós me ouvistes falando deste Reino na sinagoga, logo quando vós fostes chamados. Cada um de vós aprendeu mais sobre o Reino do Pai depois que estivestes trabalhando comigo nas cidades, em volta do mar da Galiléia. E agora eu tenho algo mais a dizer-vos a respeito deste Reino.

“O novo Reino que o meu Pai está para estabelecer nos corações dos seus filhos terrenos é um domínio perene. Esse governo do meu Pai, nos corações daqueles que desejam fazer a sua divina vontade, não terá fim. Eu vos declaro que meu Pai não é um Deus só de judeus, nem de gentios. Muitos virão, do leste e do oeste, para se assentar conosco no Reino do Pai, enquanto muitos dos filhos de Abraão recusar-se-ão a aderir a essa nova fraternidade do governo do espírito do Pai, nos corações dos filhos dos homens.

“O poder desse Reino consistirá, não da força de exércitos, nem do poder das riquezas, mas sim da glória do espírito divino que virá para ensinar às mentes e governar os corações dos cidadãos renascidos deste Reino celeste, os filhos de Deus. Essa é a fraternidade do amor, na qual reina


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a retidão, e cujo grito de batalha será: Paz na Terra e boa vontade a todos os homens. Este Reino, que vós estais a ponto de proclamar, é o desejo dos homens bons de todas as idades, a esperança de toda a Terra, e o cumprimento de todas as promessas sábias de todos os profetas.

“E para vós, meus filhos, e para todos os outros que vos seguirão neste Reino, há um teste severo. Apenas a fé vos fará passar pelos seus portais, mas deveis produzir os frutos do espírito do meu Pai, se quiserdes continuar a ascender na vida progressiva da irmandade divina. Em verdade, em verdade, eu vos digo, nem todos aqueles que dizem: ‘Senhor, Senhor’, entrarão no Reino do céu; mas antes aqueles que cumprem a vontade do meu Pai que está no céu.

“A vossa mensagem para o mundo será: buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua retidão e, ao encontrardes isso, todas as outras coisas essenciais para a sobrevivência eterna vos serão asseguradas, por acréscimo. E agora eu deixo claro para vós que este Reino do meu Pai não virá com uma aparência exterior de poder, nem com uma demonstração pouco conveniente. E, pois, não deveis sair para proclamar o Reino dizendo: ‘ele é aqui’ ou ‘é lá’. Pois este Reino que pregais é Deus dentro de vós.

“Aquele que quiser ser grande, no Reino do meu Pai, deve tornar-se um ministro para todos; e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, que se torne o servidor dos seus irmãos. E quando fordes recebidos realmente como cidadãos, no Reino celeste, não mais sereis servos, mas sereis filhos, filhos do Deus vivo. E assim progredirá este Reino, no mundo, até quebrar todas as barreiras e levar todos os homens a conhecerem o meu Pai e a acreditarem na verdade salvadora que eu vim declarar. E, agora mesmo, o Reino está ao alcance das mãos, e alguns de vós não morrereis sem terdes visto o Reino de Deus surgir em grande poder.

“E o que os vossos olhos agora contemplam, esse pequeno começo de doze homens comuns, multiplicar-se-á e crescerá, até que finalmente toda a Terra seja preenchida de louvor ao meu Pai. E não será assim tanto pelas palavras que disserdes quanto pelas vidas que viverdes, que os homens saberão que vós tereis estado comigo e que tereis aprendido sobre as realidades do Reino. E, se bem que eu não queira depositar cargas pesadas nas vossas mentes, eu deverei colocar sobre as vossas almas a responsabilidade solene de me representarem para o mundo, quando, em breve, eu vos deixar, do mesmo modo como eu agora represento o meu Pai, nesta vida que estou vivendo na carne”. E quando terminou de falar, ele levantou-se.

2. A ORDENAÇÃO

Jesus agora instruía, aos doze mortais que o tinham ouvido na sua declaração a respeito do Reino, para que se ajoelhassem em um círculo em volta dele. E então o Mestre colocou as suas mãos na cabeça de cada um dos apóstolos, começando por Judas Iscariotes e terminando por André. Depois de abençoa-los Jesus estendeu as suas mãos e orou:

“Meu Pai, agora eu Te trago esses homens, meus mensageiros. Eu escolhi esses doze, dentre os nossos filhos da Terra, para que eles saiam e me representem como eu vim representar-Te. Ame a eles e esteja com eles, como Tu me amaste e estiveste comigo. E, agora, meu Pai, dá sabedoria a esses homens, pois eu coloco todos os assuntos do Reino que virá nas mãos deles. E eu gostaria, se for da Tua vontade, de permanecer na Terra por um tempo para ajudá-los, nos seus trabalhos para o Reino. E novamente, meu Pai, agradeço a Ti por esses homens, e os confio à Tua guarda enquanto eu vou terminar o trabalho que me encarregaste de fazer”.


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Quando Jesus terminou de orar, os apóstolos permaneceram quietos, inclinados em reverência, cada um deles no seu lugar. Muitos minutos se passaram antes que até mesmo Pedro ousasse levantar os olhos no intuito de olhar para o Mestre. Um a um eles abraçaram Jesus, mas nenhum daqueles homens disse palavra. Um grande silêncio penetrou o local, enquanto uma hoste de seres celestes contemplava a esta cena solene e sagrada – o Criador de um universo, colocando os assuntos da irmandade divina dos homens sob a condução de mentes humanas.

3. O SERMÃO DA ORDENAÇÃO

E então Jesus tomou a palavra, dizendo: “Agora que sois embaixadores do Reino do meu Pai, vos tornastes, portanto, uma classe de homens distinta e separada de todos os outros homens na Terra. Agora não sois como homens entre homens, mas sois como os cidadãos esclarecidos de uma outra Terra celeste, entre as criaturas ignorantes deste mundo escuro. Não basta viverdes como se estivésseis diante desse momento, mas doravante deveis viver como aqueles que provaram das glórias de uma vida melhor e que foram enviados de volta para a Terra, como embaixadores do Soberano daquele mundo novo e melhor. Do instrutor é esperado mais do que do aluno; do mestre mais é exigido do que do servo. Dos cidadãos do Reino celeste é exigido mais do que dos cidadãos do governo terrestre. Algumas das coisas que eu vos direi podem parecer difíceis, mas vós escolhestes representar-me no mundo, como eu agora represento o Pai; e como agentes meus na Terra, vós sereis obrigados a comportar-vos segundo os ensinamentos e práticas que refletem os meus ideais da vida mortal, para os mundos do espaço, e aos quais eu dou o exemplo da minha vida terrestre, revelando o Pai que está nos céus.

“Eu vos envio ao mundo, para proclamardes a liberdade a todos que estiverem no cativeiro espiritual, para júbilo dos prisioneiros do medo, e para curardes os doentes de acordo com a vontade do meu Pai nos céus. Quando virdes os meus filhos em angústia, falai encorajadoramente a eles, dizendo:

“Felizes sejam os pobres em espírito, os humildes, pois deles são os tesouros do Reino do céu.

“Felizes são aqueles que têm fome e sede de retidão, pois eles serão saciados.

“Felizes sejam os mansos, pois eles herdarão a Terra.

“Felizes sejam os puros de coração, pois eles verão a Deus.

“E, deste mesmo modo, ireis falar aos meus filhos, com estas mesmas palavras de conforto espiritual e de promessa:

“Felizes sejam aqueles que pranteiam, pois serão confortados. Felizes sejam os que choram, pois receberão o espírito do júbilo.

“Felizes sejam os misericordiosos, pois eles receberão a misericórdia.

“Felizes sejam os pacificadores, pois serão chamados de filhos de Deus.

“Felizes os que forem perseguidos em nome da retidão, pois deles é o Reino do céu. Sede felizes quando os homens vos insultarem e vos perseguirem e contra vós lançarem falsamente todas as formas de mal. Jubilai em plena alegria, pois grande é a vossa recompensa nos céus.

“Meus irmãos, eu vos envio, pois, ao mundo, e vós sois o sal da Terra, sal que tem sabor de salvação. Contudo, se esse sal perder o sabor, com o que é que se salgará? E de nada servirá mais, a menos que seja para ser jogado fora e pisoteado pelos homens.”

“Vós sois a luz do mundo. Uma cidade plantada em uma colina não pode ser escondida. E os homens não acendem uma vela e a colocam às escondidas, mas em um candeeiro; e ela dá


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a luz a todos que estão na casa. Que a vossa luz brilhe, assim, diante dos homens, para que eles possam ver as vossas boas obras e para que sejam levados a glorificar o vosso Pai que está nos céus.

“Eu vos envio ao mundo para que representeis a mim e para que sejais os embaixadores do Reino do meu Pai e, quando sairdes para proclamar as boas-novas, confiai no Pai de quem sois mensageiros. Não resistais à injustiça com a força; não coloqueis a vossa confiança no braço da carne. Se o vosso semelhante bater na vossa face direita, dê-lhe também a outra. Estai dispostos mais a sofrer de injustiças do que a fazer cumprir a lei entre vós. Na bondade e na misericórdia, ministrai a todos os que estão na infelicidade e na necessidade.

“E eu vos digo: Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam, abençoai àqueles que vos amaldiçoam, e orai por aqueles que se servem de vós, com desprezo. E tratai aos homens, do mesmo modo que acreditais que eu os trataria.

“O vosso Pai nos céus faz o sol brilhar sobre os maus, tanto quanto sobre os bons; do mesmo modo ele envia a chuva ao justo e ao injusto. Vós sois os filhos de Deus, e mesmo mais, sois agora os embaixadores do Reino do meu Pai. Sede misericordiosos, como Deus é misericordioso e, no futuro eterno do Reino, vós sereis perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito.

“Vós tendes a missão de salvar os homens, não de julgá-los. Ao final da vossa vida terrena, todos vós deveis esperar misericórdia; e, pois, peço-vos, durante a vossa vida mortal, que demonstreis misericórdia para com todos os vossos irmãos na carne. Não cometais o erro de tentar tirar um cisco do olho do vosso irmão, quando há uma trave dentro dos vossos próprios olhos. Tendo primeiro retirado a trave do vosso próprio olho, vós podeis ver melhor para tirar o cisco do olho do vosso irmão.

“Discerni a verdade com clareza; vivei a vida da retidão com destemor; e assim sereis meus apóstolos e embaixadores do meu Pai. Vós ouvistes o que foi dito: ‘Se um cego guia outro cego, ambos cairão no buraco’. Se quiserdes guiar outros ao Reino, deveis vós próprios caminhar na luz clara da verdade viva. Para com todos os assuntos do Reino eu vos exorto a demonstrar um julgamento justo e uma sabedoria aguçada. Não apresenteis aquilo que é sagrado aos cães, nem jogueis as vossas pérolas aos porcos, pois eles pisarão nas vossas gemas e voltar-se-ão contra vós.

“Eu vos previno contra os falsos profetas, que virão a vós com peles de ovelhas, enquanto por dentro eles são como lobos devoradores. Pelos frutos vós os reconhecereis. Os homens colhem uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? E ainda assim, toda boa árvore dá bons frutos, mas a árvore corrupta dá um fruto malévolo. Uma boa árvore não pode produzir frutos maus, nem uma árvore corrupta pode produzir bons frutos. Toda árvore que não dá bons frutos em breve é derrubada e jogada ao fogo. Para ganhar a entrada no Reino do céu, é o motivo que conta. Meu Pai olha dentro dos corações dos homens e os julga pelas suas aspirações interiores e pelas suas intenções sinceras.

“No grande dia do julgamento do Reino, muitos dirão a mim: ‘Nós não professamos em vosso nome, e pelo vosso nome não fizemos obras maravilhosas?’ Contudo, serei obrigado a dizer-lhes: ‘Nunca vos conheci; afastai-vos de mim, vós que sois falsos instrutores’. E todo aquele que ouve essa instrução e sinceramente executa a sua missão de me representar diante dos homens, do mesmo modo como eu representei o meu Pai para vós, terá uma entrada ampla no meu serviço e no Reino do Pai celeste”.

Nunca antes os apóstolos tinham ouvido Jesus falar desse modo, pois ele falou-lhes como quem tem a autoridade suprema. Eles voltaram da montanha por volta do pôr-do-sol, mas nenhum daqueles homens fez pergunta alguma a Jesus.


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4. VÓS SOIS O SAL DA TERRA

O chamado “Sermão da Montanha” não é o evangelho de Jesus. Ele traz muitos ensinamentos úteis, mas foi a instrução da ordenação de Jesus para os doze apóstolos. Foi a missão pessoal do Mestre, para aqueles que iriam pregar o evangelho e que aspiravam representá-lo no mundo dos homens, do mesmo modo que ele, tão eloqüente e perfeitamente, representava o seu Pai.

“Vós sois o sal da Terra, sal que tem sabor de salvação. E se esse sal perder o seu sabor, com o que se salgará? Não será mais bom para nada a não ser para se jogar fora e ser pisoteado pelos homens.

Na época de Jesus o sal era precioso. Era usado até mesmo como dinheiro. A moderna palavra “salário” deriva-se de sal. O sal não apenas dá sabor aos alimentos, mas é também um conservante. Faz com que outros alimentos fiquem mais saborosos, e para isso ele serve.

“Vós sois a luz do mundo. Uma cidade plantada na montanha não pode ficar escondida. Nem os homens acendem uma vela e a colocam às escondidas, mas em um candeeiro; e ele dá a luz a todos os que estão na casa. Que a vossa luz brilhe assim diante dos homens, para que eles possam ver as vossas boas obras e para que sejam levados a glorificar o vosso Pai, que está no céu.”

Ainda que a luz dissipe as trevas, ela também pode “cegar” a ponto de confundir e de frustrar. Somos exortados a fazer a nossa luz brilhar de um modo tal que os nossos semelhantes sejam guiados a novos e bons caminhos de vida elevada. A nossa luz deveria brilhar assim, não para atrair a atenção para nós próprios. Até mesmo a vossa atividade de vocação pode ser utilizada como um “refletor” eficaz para a disseminação dessa luz de vida.

Os caráteres fortes não se formam por não fazerem absolutamente o mal, mas muito mais por fazerem de fato o bem. A ausência de egoísmo é a insígnia da grandeza humana. Os níveis mais elevados de auto-realização são alcançados pela adoração e serviço. A pessoa feliz e eficiente é motivada, não pelo medo de fazer errado, mas pelo amor de fazer o certo.

“Pelos seus frutos vós os conhecereis.” A personalidade é basicamente imutável; o que muda – cresce – é o caráter moral. O erro maior das religiões modernas é o negativismo. A árvore que não dá frutos é “derrubada e jogada ao fogo”. O valor moral não pode originar-se de uma simples repressão obedecendo à injunção que prega o “não farás”. O medo e a vergonha são motivações sem valor para a vida religiosa. A religião é válida apenas quando revela a paternidade de Deus e realça a irmandade dos homens.

Uma filosofia eficaz de vida é formada por uma combinação de discernimento cósmico e do todo das reações emocionais ao ambiente social e econômico. Lembrai-vos: Conquanto os impulsos hereditários não possam ser modificados fundamentalmente, as respostas emocionais a tais impulsos podem ser mudadas; a natureza moral pode, portanto, ser modificada, o caráter pode ser melhorado. No caráter forte as respostas emocionais são integradas e coordenadas e, assim, é produzida uma personalidade unificada. Uma unificação deficiente enfraquece a natureza moral e engendra a infelicidade.

Sem uma meta digna, a vida torna-se sem interesse, torna-se inútil, e resulta em muita infelicidade. O discurso de Jesus para a ordenação dos doze constitui uma filosofia da mestria da vida. Jesus recomendou, aos seus seguidores, exercerem a fé experiencial. Ele exortou-os a não dependerem de meros consentimentos intelectuais, de uma credulidade qualquer e da autoridade estabelecida.


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A educação deveria ser uma técnica de aprendizado (descoberta) de melhores métodos de gratificar as nossas tendências naturais e as herdadas, e a felicidade é o todo resultante dessas técnicas melhoradas de satisfações emocionais. A felicidade depende pouco do ambiente, embora os locais agradáveis possam contribuir grandemente para ela.

Todo mortal anseia realmente por ser uma pessoa completa, por ser perfeito, como o Pai no céu é perfeito, e realizar isso é possível porque, em última análise, o “universo é verdadeiramente paterno”.

5. O AMOR PATERNO E O AMOR FRATERNO

Do Sermão da Montanha ao discurso da Última Ceia, Jesus ensinou os seus seguidores a manifestarem o amor paterno mais do que o amor fraterno. O amor fraterno seria amar o teu semelhante como a ti próprio, e isso seria um preenchimento adequado da “regra de ouro”. O afeto paterno, todavia, exige que tu ames os teus semelhantes mortais como Jesus te ama.

Jesus ama a humanidade com um afeto dual. Ele viveu na Terra como uma personalidade de duas naturezas – a humana e a divina. Como Filho de Deus, ele ama o homem com um amor paterno – ele é o Criador do homem, o seu pai neste universo. Enquanto Filho do Homem, Jesus ama os mortais como um irmão – ele foi verdadeiramente um homem entre os homens.

Jesus não esperou que os seus seguidores realizassem uma manifestação impossível de amor fraterno, mas ele esperou que eles se esforçassem para ser como Deus – ser perfeitos como o Pai no céu é perfeito –, que eles pudessem começar a ver o homem como Deus vê as suas criaturas e que, portanto, pudessem começar a amar os homens como Deus os ama – demonstrando o começo de um afeto paterno. Durante essas exortações aos doze apóstolos, Jesus buscou revelar esse novo conceito do amor paterno, do modo como ele se relaciona a algumas atitudes emocionais preocupadas em fazer numerosos ajustamentos sociais para o meio ambiente.

O Mestre apresentou esse discurso memorável chamando a atenção para quatro atitudes de , como um prelúdio para retratar subseqüentemente as suas quatro reações transcendentes e supremas de amor paterno, contrastando-as com as limitações do amor meramente fraterno.

Primeiro ele falou sobre aqueles que eram pobres em espírito, que eram famintos de retidão, que persistiam na mansidão e que eram puros de coração. Podia-se esperar que esses mortais discernidores do espírito alcançassem níveis divinos tais de ausência de egoísmo que os tornassem capazes de atingir o exercício surpreendente do afeto paterno; que, mesmo como lamentadores, eles teriam forças para demonstrar misericórdia, para promover a paz e para resistir às perseguições e, durante todas essas situações de provação, para amarem até mesmo a uma humanidade não amável, com um amor paterno. Um afeto paterno pode alcançar níveis de devoção que transcendem incomensuravelmente um afeto fraterno.

A fé e o amor dessas beatitudes fortalecem o caráter moral e criam a felicidade. O medo e a raiva enfraquecem o caráter e destroem a felicidade. Esse sermão memorável teve o seu começo com uma nota sobre a felicidade.

1. “Felizes são os pobres em espírito – os humildes.” Para uma criança, a felicidade é a satisfação de um desejo de prazer imediato. O adulto está disposto a semear os grãos da renúncia, com o fito de ter colheitas subseqüentes de maior felicidade. Na época de Jesus, e desde então, a felicidade tem sido muito freqüentemente associada à idéia da posse de riquezas. Na história do fariseu e do publicano orando no templo, um sentia-se rico em espírito – egotista; o outro se sentia “pobre em espírito” –


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humilde. Um era auto-suficiente; o outro era capaz de aprender e de buscar a verdade. O pobre em espírito busca as metas da riqueza espiritual – busca a Deus. E os que buscam a verdade não têm de esperar por recompensas em um futuro distante; eles são recompensados agora. Eles encontram o Reino do céu dentro dos seus próprios corações, e experimentam uma tal felicidade agora.

2. “Felizes são aqueles que têm fome e sede de retidão, pois eles serão saciados.”Apenas aqueles que se sentem pobres em espírito irão ter fome e sede de retidão. Apenas os humildes buscam a força divina e almejam o poder espiritual. No entanto é muito perigoso praticar conscientemente o jejum espiritual com o fito de melhorar o próprio apetite pelos dons espirituais. O jejum físico torna-se perigoso, depois de quatro ou cinco dias; faz com que nos tornemos aptos a perder todo desejo de alimento. O jejum prolongado, seja físico ou espiritual, tende a destruir a fome.

A retidão experiencial é um prazer, não um dever. A retidão de Jesus é um amor dinâmico – o afeto paterno junto com o fraterno. Não é o tipo de retidão negativa, o tipo “não faça” de retidão. Como é que alguém poderia almejar uma coisa negativa – uma coisa a “não fazer”?

Não é tão fácil ensinar, à mente de uma criança, essas duas primeiras beatitudes, mas a mente amadurecida deveria captar o significado delas.

3. “Felizes são os mansos, pois eles herdarão a Terra.” A mansidão genuína não tem nenhuma relação com o medo. É mais a atitude de um homem cooperando com Deus – “A vossa vontade será feita”. Abrange a paciência e a tolerância, e é motivada pela fé inabalável em um universo amistoso e cumpridor da lei. Ela mantém o controle de todas as tentações de rebeldia contra o guiamento divino. Jesus foi o homem manso ideal de Urântia, e ele herdou um vasto universo.

4. “Felizes são os puros de coração, pois eles verão a Deus.” A pureza espiritual não é uma qualidade negativa, a não ser ao negar a suspeita e a vingança. Ao discutir sobre a pureza, Jesus não teve a intenção de tratar exclusivamente das atitudes sexuais humanas. Ele referia-se mais àquela fé que o homem deveria ter no seu semelhante; aquela fé que um pai tem no seu filho, e que o capacita a amar os seus semelhantes como um pai os amaria. O amor do pai não necessita mimar, e não fecha os olhos para o mal, mas é sempre anticínico. O amor paterno tem sempre um único propósito, e sempre busca o melhor no homem, que é a atitude de um verdadeiro progenitor.

Ver a Deus – pela fé – significa adquirir o verdadeiro discernimento espiritual. E o discernimento espiritual intensifica o guiamento do Ajustador, e tudo isso, no fim, aumenta a consciência de Deus. E quando vós conhecerdes o Pai, vós estareis confirmados na certeza da filiação divina, e podereis amar cada vez mais a cada um dos vossos irmãos na carne, não apenas como um irmão – com o amor fraterno – mas também como um pai – com o afeto paterno.

Essa exortação é fácil de transmitir, até mesmo a uma criança. As crianças são naturalmente confiantes, e os pais deveriam procurar fazer com que elas não perdessem essa fé simples. Ao lidardes com as crianças, evitai qualquer modo de enganá-las e abstendes de sugerir suspeitas. Sabiamente ajudai-as a selecionar os seus heróis e a escolher o trabalho da vida delas.

E então Jesus continuou a instruir os seus discípulos na realização do propósito principal de toda a luta humana – a perfeição – a própria realização divina. E ele sempre lhes lembrava: “Sede perfeitos, como o vosso Pai nos céus é perfeito”. Ele não exortava os doze a amar os seus semelhantes como eles amavam a si próprios. Isso teria sido uma realização condigna; teria indicado a realização do amor fraterno. Jesus aconselhava os seus apóstolos a amar os homens


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como ele os tinha amado – com o amor paterno, tanto quanto com um afeto fraterno. E ilustrava isso apontando as quatro reações supremas do amor paterno:

1. “Felizes são os que pranteiam, pois serão confortados.” Nem o chamado senso comum, nem a melhor das lógicas nunca sugeririam que a felicidade poderia derivar-se da aflição. Jesus, porém, não se referia ao lamento externo ou ostentatório. Ele aludia a uma atitude emocional de ternura de coração. É um grande erro ensinar aos meninos e aos rapazes que não é masculino demonstrar ternura ou, de qualquer outro modo, evidenciar sentimentos emocionais ou sofrimento físico. A compaixão é um atributo tão condigno para o homem quanto o é para a mulher. Não é necessário ser endurecido para ser-se masculino. Essa é a forma errada de criar homens corajosos. Os grandes homens do mundo não tiveram medo de lamentar. Moisés, o lamentador, foi um grande homem, mais do que Sansão e mais do que Golias. Moisés foi um líder magnífico, mas ele era um homem também de mansidão. Ser sensível e susceptível às necessidades humanas gera uma felicidade genuína e duradoura, ao mesmo tempo em que essas atitudes gentis protegem a alma das influências destrutivas da raiva, do ódio e da suspeita.

2. “Felizes são os misericordiosos, pois eles alcançarão a misericórdia.” Misericórdia aqui tem a conotação da altura, da profundidade e da largura da mais verdadeira amizade – o amor da bondade. A misericórdia, algumas vezes pode ser passiva, mas aqui ela é ativa e dinâmica – a paternalidade suprema. Um pai cheio de amor tem um pouco de dificuldade em perdoar o seu filho, muitas vezes até. E, em um filho não mimado, o impulso de aliviar o sofrimento é natural. Os filhos são normalmente bons e compassivos quando já têm idade suficiente para avaliar as condições reais.

3. “Felizes são os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” Os ouvintes de Jesus careciam de libertação militar, não almejavam pacificadores. A paz de Jesus, contudo, não é da espécie pacífica e negativa. Em face das provações e das perseguições, ele disse: “A minha paz eu a deixo convosco”.“Que o vosso coração não seja perturbado, e que não padeça de temores.” Esta é a paz que evita conflitos danosos. A paz pessoal integra a personalidade. A paz social afasta o medo, a cobiça e a raiva. A paz política impede os antagonismos raciais, as suspeitas nacionais e a guerra. Buscar a paz é a cura para a desconfiança e a suspeita.

As crianças podem aprender facilmente a funcionar como pacificadoras. Elas gostam de atividades grupais; elas gostam de brincar juntas. E o Mestre disse certa vez: “Quem quiser salvar a sua vida irá perdê-la, mas quem perder a sua vida irá encontrá-la”.

4. “Felizes daqueles que forem perseguidos por causa da sua retidão, pois deles é o Reino do céu. Felizes sereis quando os homens vos insultarem e vos perseguirem e lançarem falsamente todo o tipo de mal contra vós. Rejubilai-vos na alegria mais extrema, pois grande é a vossa recompensa nos céus.”

E, assim, freqüentemente a perseguição vem depois da paz. E os jovens e os adultos corajosos nunca fogem da dificuldade ou do perigo. “Nenhum amor é maior do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos.” E um amor paterno pode livremente fazer todas essas coisas – coisas que o amor fraterno dificilmente consegue abranger. E o progresso tem sido sempre a colheita final da perseguição.

As crianças sempre respondem ao desafio da coragem. A juventude está sempre disposta a “ousar”. E toda criança deveria aprender cedo a sacrificar-se.

E assim é revelado que as beatitudes do Sermão da Montanha são baseadas na fé e no amor, e não na lei – ética ou dever.

O amor paterno tem prazer em dar o bem em troca do mal – em fazer o bem em represália à injustiça.


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6. A NOITE DA ORDENAÇÃO

Domingo ao anoitecer, quando chegaram à casa de Zebedeu, vindos das terras altas ao norte de Cafarnaum, Jesus e os doze compartilharam uma refeição simples. Depois Jesus saiu para uma caminhada pela praia, enquanto os doze estiveram conversando entre eles. Depois de uma breve discussão, enquanto os gêmeos faziam uma pequena fogueira para dar-lhes calor e mais luz, André foi encontrar Jesus e, quando o alcançou, disse: “Mestre, meus irmãos são incapazes de compreender o que disseste sobre o Reino. Não nos sentimos capazes de começar este trabalho, antes que nos dês outras instruções. Eu vim para pedir-te que te juntes a nós no jardim e que nos ajude a compreender o significado das tuas palavras”. E Jesus foi com André encontrar-se com os apóstolos.

Depois de entrar no jardim, ele juntou os apóstolos em volta de si e ensinou-lhes outras coisas mais, e disse-lhes: “Achais difícil receber a minha mensagem porque vós quereis construir o novo ensinamento diretamente em cima do antigo, mas eu declaro que deveis renascer. Deveis começar de novo, como pequenas crianças, e deveis estar dispostos a confiar no meu ensinamento e a acreditar em Deus. O novo evangelho do Reino não pode ser tomado como se se quisesse conformá-lo ao que existe. Vós tendes idéias erradas sobre o Filho do Homem e a sua missão na Terra. E não cometais o erro de pensar que eu vim para pôr de lado a lei e os profetas; eu não vim para destruir, mas para cumprir, para ampliar e para iluminar. Eu não vim para transgredir a lei, mas antes para escrever esses novos mandamentos nas tábuas dos vossos corações.

“Eu peço de vós uma retidão que excederá a retidão daqueles que buscam obter o favorecimento do Pai por meio de caridades, prece e jejum. Se vós quereis entrar no Reino, vós deveis ter uma retidão que consiste do amor, misericórdia e verdade – o desejo sincero de fazer a vontade do meu Pai nos céus.”

Então disse Simão Pedro: “Mestre, se tu tens um novo mandamento, nós o ouviremos. Revele a nós o novo caminho”. Jesus respondeu a Pedro: “Vós o ouvistes, dito por aqueles que ensinam a lei: ‘Não matarás, pois aquele que matar estará sujeito a julgamento’. Entretanto eu olho além do ato, para ver o motivo a descoberto. Eu declaro a vós, que todo aquele que tiver raiva do seu irmão está em perigo de condenação. Aquele que nutre o ódio no seu coração e planeja a vingança na sua mente, está em perigo de ser julgado. Vós só podeis julgar os vossos companheiros pelos atos deles; o Pai, que está nos céus, julga pela intenção.

“Vos ouvistes os instrutores da lei dizendo: ‘Não cometereis adultério’. Mas eu vos digo que todo homem que olha para uma mulher, com a intenção de desejo por ela, já cometeu o adultério com ela, no seu coração. Vós podeis julgar os homens apenas pelos seus atos, mas o meu Pai vê dentro dos corações dos seus filhos e, com misericórdia, julga-os, de acordo com as suas intenções e com os desejos reais”.

Jesus tinha a intenção de continuar examinando os outros mandamentos, quando Tiago Zebedeu interrompeu-o, perguntando: “Mestre, o que devemos ensinar ao povo a respeito do divórcio? Devemos permitir a um homem divorciar-se da sua mulher, como Moisés mandou?” E, quando ouviu essa pergunta, Jesus disse: “Eu não vim para legislar, mas para esclarecer. Eu vim, não para reformar os reinos deste mundo, mas antes para estabelecer o Reino do céu. Não é da vontade do Pai que eu devesse ceder à tentação de ensinar-vos as regras do governo, do comércio, nem do comportamento social, as quais, embora pudessem ser boas para hoje, poderiam estar longe de serem adequadas para a sociedade de outra idade. Estou na Terra somente para confortar as mentes, para liberar os espíritos e para salvar as almas dos homens. Mas eu vos direi, a respeito dessa


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questão do divórcio que, embora Moisés fosse favorável a esses procedimentos, não era assim nos dias de Adão no Jardim”.

Depois que os apóstolos tinham conversado entre si, durante um certo tempo, Jesus continuou a falar: “Vós deveis sempre reconhecer dois pontos de vista em toda conduta mortal – o humano e o divino; os caminhos da carne e o caminho do espírito; a perspectiva do tempo e a visão da eternidade”. E, embora os doze não pudessem compreender tudo o que ele lhes ensinava, eles foram realmente ajudados por essa instrução.

E então disse Jesus: “Mas vós tropeçareis nos meus ensinamentos porque vós estais acostumados a interpretar a minha mensagem literalmente; sois vagarosos ao discernir o espírito do meu ensinamento. De novo, deveis lembrar-vos de que sois meus mensageiros; vós sois obrigados a viver as vossas vidas como eu tenho vivido a minha em espírito. Vós sois os meus representantes pessoais; mas não cometais o engano esperar que todos os homens vivam como vós, sob todos os pontos de vista. Vós vos deveis lembrar também de que eu tenho ovelhas que não são desse rebanho, e de que também tenho obrigações para com elas, pois devo prover-lhes o modelo de fazer a vontade do Pai, enquanto eu viver a vida da natureza mortal”.

E então Natanael perguntou: “Mestre, não devemos dar um lugar à justiça? A lei de Moisés diz: ‘Um olho por um olho, e um dente por um dente’. O que devemos dizer?” E Jesus respondeu: “Deveis retribuir ao mal com o bem. Os meus mensageiros não devem disputar com os homens, mas serem gentis com todos. Medida por medida, não será essa a vossa regra. Os chefes entre os homens podem ter tais leis, mas não é assim no Reino; a misericórdia determinará sempre os vossos julgamentos, e o amor determinará a vossa conduta. E se esses são princípios duros, ainda agora podeis desistir. Se achardes os quesitos do apostolado muito penosos, podeis voltar para o caminho menos rigoroso do discipulado”.

Ao ouvir essas palavras assustadoras, os apóstolos reuniram-se todos, à parte, por um momento, mas logo voltaram, e Pedro disse: “Mestre, gostaríamos de continuar contigo; nenhum de nós retrocederia. Estamos totalmente preparados para arcar com o preço extra; beberemos da taça. Gostaríamos de ser apóstolos, não discípulos meramente”.

Quando Jesus ouviu isso, disse: “Estai dispostos, então, a assumir as vossas responsabilidades e seguir-me. Fazei as vossas boas ações em segredo; quando derdes esmolas, que a vossa mão esquerda não saiba o que faz a mão direita. E então, quando orardes, permanecei separados e a sós e não useis de repetições vãs nem de frases sem sentido. Lembrai-vos sempre de que o Pai sabe o que vós necessitais, antes mesmo de pedirdes a Ele. E não vos entregueis a jejuns, mantendo uma figura triste, para serdes vistos pelos homens. Como apóstolos escolhidos meus, agora a serviço do Reino, não deveis armazenar para vós próprios tesouros na Terra, mas, pelos vossos serviços altruístas, armazenai para vós próprios tesouros no céu, pois onde estiverem os vossos tesouros, lá também estarão os vossos corações.

“A lâmpada do corpo é o olho; portanto se o vosso olho é generoso, o vosso corpo inteiro estará cheio de luz. Mas se o vosso olho é egoísta, o corpo inteiro será preenchido por trevas. Se a própria luz que está em vós estiver voltada para as trevas, grandes serão essas trevas!”

E então Tomé perguntou a Jesus se eles deveriam “continuar tendo tudo em comum”. Disse o Mestre: “Sim, meus irmãos, eu gostaria que vivêssemos juntos, como uma família que se compreende bem. Vós estais encarregados de um grande trabalho, e almejo que o vosso serviço não se divida. Vós sabeis que foi dito com justeza: ‘Nenhum homem pode servir a dois mestres’. Vós não podeis adorar sinceramente a Deus e, de todo coração, ao mesmo tempo servir à cobiça. Tendo agora vos alistado, sem reservas, no trabalho do Reino, não tenhais ansiedades pelas vossas vidas; e muito menos deveis preocupar-vos com o que ireis comer ou com o que ireis beber; nem mesmo com os vossos corpos, nem com a roupa que devereis usar. Vós já aprendestes que mãos dispostas e corações honestos nunca terão fome. E agora, quando vos preparardes para devotar todas as vossas energias


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ao trabalho do Reino, podeis estar seguros de que o Pai não irá esquecer-se das vossas necessidades. Primeiro buscai o Reino de Deus e, quando tiverdes encontrado a vossa entrada nele, todas as coisas que vos forem necessárias, virão por acréscimo. Não sejais, portanto, indevidamente ansiosos com o amanhã. Devemos preocupar-nos com o que é suficiente para o dia”.

Quando Jesus viu que estavam dispostos a permanecer acordados toda a noite fazendo perguntas, ele lhes disse: “Meus irmãos, vós sois como vasos de barro; é melhor irdes descansar para que estejais prontos para o trabalho de amanhã”. Mas o sono tinha fugido dos olhos deles. Pedro aventurou-se a pedir ao Mestre: “Posso ter só uma pequena conversa em particular contigo? Não que eu tenha segredos para os meus irmãos, mas tenho o espírito atormentado e, por acaso, se eu tiver de merecer uma repreensão do meu Mestre, eu a suportaria melhor se estivesse a sós contigo”? E Jesus disse: “Venha comigo, Pedro” – conduzindo-o para dentro da casa. Quando Pedro retornou de junto da presença do seu Mestre muito animado e grandemente encorajado, Tiago decidiu ir falar com Jesus. E assim, até as primeiras horas da madrugada, os outros apóstolos foram, um a um, falar com o Mestre. Quando todos tinham tido uma conversa pessoal com ele, exceto os gêmeos, que haviam caído no sono, André foi a Jesus e disse: “Mestre, os gêmeos caíram no sono no jardim, ao lado da fogueira; devo despertá-los e perguntar se querem também falar contigo?” E Jesus sorrindo disse a André: “Eles estão bem – não os incomode”. E, agora, a noite chegava ao fim; a luz de um outro dia estava surgindo.

7. A SEMANA SEGUINTE À DA ORDENAÇÃO

Depois de umas poucas horas de sono, quando os doze estavam reunidos para um desjejum tardio com Jesus, ele disse: “Agora, deveis começar o vosso trabalho de pregar as boas-novas e de instruir os crentes. Preparem-se para ir a Jerusalém”. Depois de Jesus ter falado, Tomé reuniu coragem para dizer: “Sei, Mestre, que deveríamos estar prontos agora para iniciar o trabalho, mas temo que não estejamos ainda aptos para realizar essa grande tarefa. Consentirias que ficássemos por aqui apenas mais uns poucos dias, antes de começarmos o trabalho do Reino?” E quando Jesus viu que todos os seus apóstolos estavam possuídos por esse mesmo temor, ele disse: “Será como vós pedistes; permaneceremos aqui até o sábado”.

Durante semanas e mais semanas pequenos grupos de buscadores sinceros da verdade, junto com espectadores curiosos, tinham vindo a Betsaida para ver Jesus. Já se falava sobre ele, em todo o país; os grupos de indagadores vinham das cidades distantes como Tiro, Sidom, Damasco, Cesaréia e Jerusalém. Até então, Jesus havia saudado essa gente e lhes tinha ensinado sobre o “Reino, mas agora o Mestre repassava esse trabalho aos doze. André escolheria um dos apóstolos e o designaria para um grupo de visitantes e, algumas vezes, todos os doze ficavam ocupados com essa tarefa.

Por dois dias eles trabalharam, ensinando dia a dia e mantendo conversas particulares até tarde da noite. Ao terceiro dia Jesus conversou com Zebedeu e Salomé, enquanto mandou os seus apóstolos “saírem para pescar, buscando mudanças e distrações ou mesmo visitar as famílias”. Na quinta-feira eles retornaram para mais três dias mais de ensinamentos.

Durante essa semana de aperfeiçoamento, muitas vezes Jesus repetiu aos seus apóstolos os dois grandes motivos da sua missão pós-batismal na Terra:

1. Revelar o Pai ao homem.

2. Conduzir os homens para que eles se tornem conscientes da filiação – da compreensão, pela fé, de que são filhos do Altíssimo.


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Uma semana nessa experiência variada fez muito pelos doze apóstolos; alguns se tornaram até autoconfiantes demais. Na última conversa, na noite depois do sábado, Pedro e Tiago vieram a Jesus, dizendo: “Nós estamos prontos – agora podemos ir em frente, e ensinar sobre o Reino”. Ao que Jesus respondeu: “Que a vossa sabedoria se iguale ao vosso zelo e que a vossa coragem compense a vossa ignorância”.

Embora os apóstolos não compreendessem muita coisa dos seus ensinamentos, eles não deixavam de entender o significado da beleza da vida encantadora que levaram junto ao Mestre.

8. QUINTA-FEIRA À TARDE NO LAGO

Jesus sabia muito bem que os seus apóstolos não estavam assimilando plenamente os ensinamentos. E decidiu dar alguma instrução especial a Pedro, Tiago e João, esperando que eles fossem capazes de dar esclarecimentos aos seus companheiros. Ele sabia que, conquanto alguns aspectos da idéia de um Reino espiritual estivessem sendo captados pelos doze, eles continuavam rigidamente associando esses novos ensinamentos espirituais do Reino do céu direta e literalmente aos seus conceitos antigos, já entranhados e cristalizados, como se o Reino pudesse ser algo como uma restauração do trono de Davi e um restabelecimento de Israel no seu poder temporal na Terra. Desse modo, na quinta-feira à tarde, Jesus foi à praia e saiu em um barco com Pedro, Tiago e João, para conversarem sobre os assuntos do Reino. Essa foi uma conversa de quatro horas, e abrangeu muitas perguntas e respostas, e deve ser de proveito colocar tudo aqui, neste registro, que reorganiza o sumário dessa tarde memorável, como foi passado por Simão Pedro ao seu irmão, André, na manhã seguinte:

1. Fazer a vontade do Pai. O ensinamento de Jesus, para que se confie nos cuidados superiores do Pai celeste, não é o de um fatalismo cego e passivo. Ele cita com aprovação, nessa tarde, uma antiga afirmação hebraica que declara: “Aquele que não trabalha não comerá”. E aponta a sua própria experiência como sendo um testemunho suficiente dos seus próprios ensinamentos. Os seus preceitos, sobre confiar no Pai, não devem ser analisados segundo as condições sociais e econômicas dos tempos modernos ou de qualquer outra idade. A instrução dele abrange os princípios ideais, da vida perto de Deus, em todas as idades e em todos os mundos.

Jesus deixou claro, para os três, a diferença entre as exigências para as funções do apostolado e as do discipulado. E ainda assim ele não proibiu, aos doze, o exercício da prudência e da previsão. Ele era contrário à ansiedade e à preocupação, não à precaução. Ele ensinava a submissão alerta e ativa à vontade de Deus. Em resposta a muitas das perguntas deles a respeito de frugalidades e de trivialidades, ele simplesmente chamou a atenção para a sua vida de carpinteiro, de fazedor de barcos e de pescador, e para a sua cuidadosa organização dos doze. Ele procurou deixar claro que o mundo não é para ser encarado como um inimigo; que as circunstâncias da vida são formadas por uma dispensação divina que trabalha junto com os filhos de Deus.

Jesus teve uma grande dificuldade em fazê-los compreender a sua prática pessoal da não resistência. Ele recusava-se absolutamente a defender-se, e parecia aos apóstolos que ele ficaria contente se eles seguissem a mesma política. Ele ensinou-lhes a não resistir ao mal, a não combaterem a injustiça nem a injúria, mas ele não lhes ensinou a tolerarem passivamente a conduta errada. E deixou claro, nessa tarde, que ele aprovava a punição social dos malfeitores e dos criminosos, e que o governo civil deveria, algumas vezes, empregar a força na manutenção da ordem social e na execução da justiça.

Ele nunca cessou de prevenir aos seus discípulos contra as más práticas da represália; ele desaprovava totalmente a vingança, a idéia do acerto de contas. Ele deplorava o fato de se guardar rancores.


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Ele não aprovava a idéia de olho por olho e dente por dente. Ele rejeitava todo o conceito da revanche privada e pessoal, atribuindo essas questões ao governo civil, por um lado, e ao julgamento de Deus, por outro. Ele deixou claro, para os três, que os seus ensinamentos aplicavam-se ao indivíduo, não ao Estado. Ele resumiu as suas instruções, até aquele momento, a respeito dessas questões da seguinte forma:

Amai os vossos inimigos – lembrai-vos das asserções morais da irmandade humana.

A inutilidade do mal: um erro não se torna certo pela vingança. Não cometais o erro de responder ao mal com as próprias armas dele.

Tende – a confiança no triunfo final da justiça divina e da bondade eterna.

2. A atitude política. Ele advertiu aos seus apóstolos para que fossem discretos nas suas observações a respeito das relações, então estremecidas, existentes entre o povo judeu e o governo romano; ele proibiu-os de envolverem-se, de qualquer modo, nessas dificuldades. Ele foi cuidadoso, em qualquer ocasião, para evitar as ciladas políticas dos seus inimigos, sempre com a observação: “Dai a César as coisas que são de César e a Deus as coisas que são de Deus”. Ele negava-se a deixar a sua atenção dispersar-se da sua missão de estabelecer um novo caminho de salvação; ele não permitiria a si próprio envolver-se em qualquer outra coisa. Na sua vida pessoal, ele sempre observou devidamente todas as leis e as regras civis; em todos os seus ensinamentos públicos, ele ignorou os reinos civil, social e econômico. Ele disse aos três apóstolos que ele ocupava-se apenas com os princípios da vida interior pessoal e espiritual do homem.

Jesus não foi, portanto, um reformador político. Ele não veio para reorganizar o mundo; e ainda que tivesse feito reformas, elas teriam sido aplicáveis apenas àqueles dias e àquela geração. Todavia, ele mostrou ao homem o melhor modo de viver, e nenhuma geração está isenta do trabalho de descobrir como melhor adequar a vida de Jesus aos seus próprios problemas. Nunca, todavia, deveis cometer o erro de identificar os ensinamentos de Jesus com qualquer teoria política ou econômica, com qualquer sistema social ou industrial.

3. A atitude social. Os rabinos judeus há muito debatiam sobre a questão: Quem é o meu próximo? Jesus vinha apresentando a idéia da bondade ativa e espontânea, um amor tão legítimo pelo outro, o semelhante e o vizinho, que fez expandir a noção do que é o próximo, a ponto de incluir o mundo inteiro, e então fazendo com que os nossos próximos fossem todos os homens. Mas, com tudo isso, Jesus estava interessado apenas no indivíduo, não na massa. Jesus não era um sociólogo, ele apenas trabalhou para romper todas as formas de isolamento egoísta. Ele ensinou a simpatia da pura compaixão. Michael de Nebadon é um Filho dominado pela misericórdia; a compaixão é a sua natureza mesma.

O Mestre não disse que os homens não devessem entreter os seus amigos durante as refeições, mas ele disse que os seus seguidores deveriam fazer festas para os pobres e os desafortunados. Jesus tinha um senso firme de justiça, mas que foi sempre temperado pela misericórdia. Ele não ensinou aos seus apóstolos que deixassem os parasitas sociais e os pedintes profissionais tirar vantagem deles. O mais próximo que ele esteve de fazer pronunciamentos sociológicos foi quando mencionou: “Não julgueis, para que não sejais julgados”.

Ele deixou claro que a bondade indiscriminada poderia ser considerada a culpada de muitos males sociais. No dia seguinte Jesus deu a Judas a instrução definitiva de que nenhum fundo apostólico fosse dado como esmola, a não ser a pedido dele ou sob o pedido conjunto de dois dos apóstolos. Para todas essas questões, a prática era que Jesus dissesse: “Sede sábios como as serpentes, mas tão inofensivos como os pombos”. Parecia ser o seu propósito, em todas as situações sociais, ensinar a paciência, a tolerância e o perdão.


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A família ocupava o centro mesmo da filosofia de vida de Jesus – aqui e na vida futura. Ele baseava os seus ensinamentos sobre Deus na família, ao mesmo tempo em que tentava corrigir a tendência judaica de honrar os antepassados em exagero. Ele exaltava a vida familiar como o dever humano mais elevado, mas deixava claro que as relações familiares não deveriam interferir nas obrigações religiosas. Ele chamava atenção para o fato de que a família é uma instituição temporal; de que ela não sobrevive à morte. Jesus não hesitou em abdicar-se da sua família, quando a família se postou contrariamente à vontade do Pai. Ele ensinou a nova e mais ampla irmandade entre os homens – os filhos de Deus. No tempo de Jesus os hábitos e a prática do divórcio eram relaxados na Palestina, e em todo o império romano. Ele recusou-se reiteradamente a estabelecer leis a respeito do casamento e do divórcio, mas muitos dos primeiros seguidores de Jesus tinham opiniões bem marcadas sobre o divórcio e não hesitaram em atribuí-las a ele. Todos os escritores do Novo Testamento, exceto João Marcos, ativeram-se às idéias mais rigorosas e avançadas sobre o divórcio.

4. A atitude econômica. Jesus trabalhou, viveu e transacionou no mundo do modo como o encontrou. Ele não foi um reformador econômico, embora freqüentemente chamasse a atenção para a injustiça da distribuição desigual das riquezas. E não propôs quaisquer sugestões para remediar. Deixou claro, para os três, que, conquanto não fosse para os seus apóstolos manterem propriedades, ele não estava pregando contra a riqueza e a propriedade, mas meramente sobre a sua distribuição injusta e desigual. Reconhecia a necessidade de justiça social e de eqüidade industrial, mas não propôs regras para que isso fosse estabelecido.

Ele nunca ensinou aos seus seguidores que evitassem posses terrenas; apenas aos seus doze apóstolos ele ensinou isso. Lucas, o médico, era um forte crente da igualdade social, e muito fez para interpretar as palavras de Jesus, em harmonia com as suas crenças pessoais. Jesus nunca ordenou pessoalmente, aos seus seguidores, que adotassem um modo comunitário de vida; ele não se pronunciou, de nenhum modo, sobre essas questões.

Jesus freqüentemente preveniu aos seus ouvintes sobre a cobiça, declarando que “a felicidade de um homem não reside na abundância das suas posses materiais”. Ele reiterava constantemente: “De que serve a um homem ganhar todo o mundo e perder a sua própria alma?” Ele não fez nenhum ataque direto à posse de propriedades, mas insistiu em que é eternamente essencial que os valores espirituais venham em primeiro lugar. Nos seus ensinamentos posteriores ele procurava corrigir muitos erros, na visão da vida que era predominante em Urântia, narrando numerosas parábolas, as quais ele apresentava durante as suas ministrações públicas. Jesus nunca teve a intenção de formular teorias econômicas; ele bem sabia que cada idade deve desenvolver os próprios remédios para os males existentes. E, se Jesus estivesse na Terra, hoje, vivendo a sua vida na carne, ele traria um grande desapontamento à maioria dos bons homens e mulheres, pela simples razão de que não tomaria posições na política atual, nem nas disputas sociais e econômicas. Ele permaneceria bastante reservado ao ensinar-vos como perfeccionar a vossa vida espiritual interior, de modo a vos tornar muito mais competentes para enfrentar a solução dos vossos problemas puramente humanos.

Jesus gostaria de tornar todos os homens semelhantes a Deus e, então, acompanharia à distância com compaixão até que esses filhos de Deus resolvessem os seus próprios problemas políticos, sociais e econômicos. Não foi à riqueza que ele denunciou, mas ao que essa riqueza faz à maioria dos devotos dela. Nessa quinta-feira, à tarde, Jesus primeiro disse aos seus discípulos que “mais abençoado é dar do que receber”.

5. A religião pessoal. Vós, como o fizeram seus apóstolos, deveríeis entender melhor os ensinamentos de Jesus, por intermédio da sua vida. Ele viveu uma vida perfeita em Urântia, e os seus ensinamentos


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sem par só podem ser entendidos quando a sua vida é vista como o suporte direto desses ensinamentos. É a sua vida, e não as suas lições aos doze, ou os seus sermões para as multidões, que mais ajudarão a revelar o caráter divino e a personalidade amorosa do Pai.

Jesus não atacou os ensinamentos dos profetas hebreus, nem os dos moralistas gregos. O Mestre reconheceu as muitas coisas boas que esses grandes instrutores representavam, mas ele tinha vindo à Terra para ensinar algo mais: “A conformidade voluntária da vontade do homem à vontade de Deus”. Jesus não queria simplesmente produzir um homem religioso, um mortal ocupado integralmente com os sentimentos religiosos e movido apenas por impulsos espirituais. Caso pudésseis apenas ter dado uma olhada nele, e vós teríeis sabido que Jesus era realmente um homem de grande experiência nas coisas deste mundo. Os ensinamentos de Jesus, a esse respeito, têm sido deturpados grosseiramente e bastante adulterados, durante todos esses séculos da era cristã; vós também tendes mantido idéias deturpadas sobre a mansidão e a humildade do Mestre. O que ele almejou, na sua vida, parece ter sido um auto-respeito magnífico. Ele só aconselhou o homem a humilhar-se, para que ele pudesse ser verdadeiramente exaltado; o que ele realmente almejava era a verdadeira humildade para com Deus. Ele dava grande valor à sinceridade – a um coração puro. A fidelidade era uma virtude cardinal segundo a sua avaliação do caráter, enquanto a coragem era a essência mesma dos seus ensinamentos. “Não temais” era o seu lema, e a persistência paciente o seu ideal de força de caráter. Os ensinamentos de Jesus constituem uma religião de valor, de coragem e de heroísmo. E é exatamente por isso que ele escolheu, para serem os seus representantes pessoais, doze homens comuns, a maioria dos quais era de pescadores rudes, viris e varonis.

Jesus tinha pouco a dizer sobre os vícios sociais dos seus dias; ele raramente fazia referência à degenerescência moral. Ele era um instrutor positivo da virtude verdadeira. Ele evitava atentamente o método negativo de administrar a instrução; ele recusava-se a apregoar o mal. Ele nem mesmo foi um reformador moral. Ele bem sabia, e assim ele ensinou aos seus apóstolos, que as urgências sensuais da humanidade não são suprimidas nem pela repressão religiosa, nem pelas proibições legais. As suas poucas denúncias foram dirigidas mais contra o orgulho, a crueldade, a opressão e a hipocrisia.

Jesus não denunciou com veemência nem mesmo os fariseus, como o fez João. Ele sabia que muitos dos escribas e dos fariseus eram honestos, nos seus corações; ele compreendeu a submissão escravizada deles às tradições religiosas. Jesus punha uma grande ênfase em “primeiro tornar boa a árvore”. Ele fez com que os três compreendessem bem que ele valorava a vida como um todo, não apenas algumas poucas virtudes em especial.

A coisa que João aprendeu com os ensinamentos desse dia foi que a essência da religião de Jesus consistia na aquisição de um caráter compassivo, junto com uma personalidade motivada a fazer a vontade do Pai do céu.

Pedro captou a idéia de que o evangelho, que eles estavam à beira de proclamar, era realmente um novo começo para toda a raça humana. E, posteriormente, passou essa impressão a Paulo, que a partir disso formulou a sua doutrina de Cristo como “o segundo Adão”.

Tiago captou a verdade emocionante de que Jesus queria que os seus filhos na Terra vivessem como se eles fossem já cidadãos completos do Reino celeste.

Jesus sabia que os homens eram diferentes uns dos outros, e ensinou isso aos seus apóstolos. Ele exortava-os constantemente a absterem-se de tentar moldar os discípulos e crentes de acordo com algum modelo preestabelecido. Ele procurava permitir a cada alma desenvolver-se do seu próprio modo, como uma alma individual e isolada a perfeccionar-se perante Deus. Em resposta a uma das muitas


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perguntas de Pedro, o Mestre disse: “Eu quero deixar os homens livres, de um modo tal que possam começar novamente como pequenas crianças, na vida nova e melhor”. Jesus sempre insistiu em que a verdadeira bondade deve ser inconsciente, que ao fazer a caridade não se devia deixar que a mão esquerda soubesse o que faz a mão direita.

Os três apóstolos ficaram chocados, nessa tarde, quando eles compreenderam que a religião do seu Mestre não dava meios para que se fizesse um auto-exame espiritual. Todas as religiões, antes e depois da época de Jesus, até mesmo o cristianismo, cuidadosamente davam condições de um auto-exame consciente. Contudo, não era assim com a religião de Jesus de Nazaré. A filosofia de vida de Jesus é desprovida dessa introspecção religiosa. O filho do carpinteiro nunca ensinou a elaboração do caráter; ele ensinou o crescimento do caráter, esclarecendo que o Reino do céu é como uma semente de mostarda. Todavia, Jesus nada disse que condenasse a auto-análise como um meio de precaver-se para impedir o egoísmo pretensioso.

O direito de entrar no Reino é condicionado pela fé, pela crença pessoal. O custo, a ser pago para permanecer na ascensão progressiva do Reino, é uma pérola de alto preço e, para possuí-la, um homem vende tudo o que tem.

O ensinamento de Jesus é uma religião para todos, não apenas para os fracos e os escravos. A sua religião nunca se tornou cristalizada (durante a sua época) em credos e leis teológicas; ele não deixou uma linha escrita sequer atrás de si. A sua vida e os seus ensinamentos foram legados ao universo, como uma herança inspiradora e idealista adequada para guiar espiritualmente e para a instrução moral de todas as idades, e em todos os mundos. E, mesmo hoje, os ensinamentos de Jesus permanecem, como tais, fora de todas as religiões, mas constituindo-se nas esperanças vivas de todas elas.

Jesus não ensinou aos seus apóstolos que a religião é a única busca terrena do homem; essa era a idéia judaica de servir a Deus. Contudo, ele insistiu que a religião fosse a ocupação exclusiva dos doze. Jesus nada ensinou que dissuadisse os seus crentes da busca da cultura genuína; ele apenas não dava mérito às escolas religiosas de Jerusalém, presas à tradição. Ele era liberal, generoso, instruído e tolerante. A piedade autoconsciente não tinha lugar na sua filosofia do viver na retidão.

O Mestre não propôs soluções para os problemas não-religiosos da sua própria idade, nem de qualquer idade subseqüente. Jesus almejava desenvolver um discernimento espiritual das realidades eternas e estimular a iniciativa na originalidade de viver; ele preocupou-se exclusivamente com as necessidades espirituais fundamentais e permanentes da raça humana. Ele revelou uma bondade igual à de Deus. Ele exaltou o amor – a verdade, a beleza e a bondade – como o ideal divino e a realidade eterna.

O Mestre veio para criar, no homem, um novo espírito, uma nova vontade – para imprimir uma nova capacidade de conhecer a verdade, experimentando a compaixão, e escolhendo a bondade –, a vontade para estar em harmonia com a vontade de Deus, conjugada com o impulso eterno de tornar-se perfeito, como o próprio Pai no céu é perfeito.

9. O DIA DA CONSAGRAÇÃO

O sábado seguinte Jesus devotou-o aos seus apóstolos, fazendo, de volta, a jornada às terras altas onde ele os tinha ordenado; e lá, depois de uma longa e maravilhosamente tocante mensagem pessoal de encorajamento, ele iniciou o ato solene da consagração dos doze. Nesse sábado, à tarde, Jesus reuniu os apóstolos em torno de si, na montanha, e os colocou nas mãos do seu Pai do céu, em preparação para o dia em que fosse obrigado a abandoná-los no mundo. Nenhum novo ensinamento houve nessa ocasião, apenas o encontro e a comunhão.


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Jesus relembrou muitos aspectos do sermão da ordenação, dado naquele mesmo local, e então, chamando-os diante de si, um a um, ele encarregou-os com a missão de saírem para o mundo, como representantes dele. A responsabilidade da consagração dada pelo Mestre foi: “Ide, ao mundo inteiro, pregar as boas-novas do Reino. Liberai os prisioneiros espirituais, confortai os oprimidos e ministrai aos aflitos. De graça recebestes, e de graça deveis dar”.

Jesus lhes aconselhou a não aceitarem dinheiro nem roupas suplementares, dizendo: “O trabalhador é digno do seu salário”. E finalmente acrescentou: “Observai que eu os envio, como ovelhas, em meio a lobos; sede, portanto, sábios como serpentes, e inofensivos como os pombos. Mas tende cuidado, pois os vossos inimigos vos levarão perante os conselhos deles, e, nas sinagogas, eles vos criticarão e castigarão. Sereis levados perante os chefes e governantes, porque vós acreditais nesse evangelho, e o vosso depoimento mesmo será uma testemunha de mim para eles. E quando eles vos conduzirem ao julgamento, não vos inquietais sobre o que vós ireis dizer, pois o espírito do meu Pai reside em vós e, em uma hora dessas, ele irá falar por vosso intermédio. Alguns de vós sereis levados à morte e, antes de estabelecerdes o Reino na Terra, vós sereis odiados por muita gente, por causa desse evangelho; mas não temais; eu estarei convosco e o meu espírito irá, antes de vós, a todo o mundo. E a presença do meu Pai residirá em vós, enquanto fordes primeiro aos judeus, e depois aos gentios”.

E, quando desceram a montanha, eles foram de volta para o seu lar na casa de Zebedeu.

10. A NOITE APÓS A CONSAGRAÇÃO

Naquela noite, enquanto ensinava na casa, pois tinha começado a chover, Jesus falou demoradamente a eles, tentando mostrar aos doze o que eles deviam ser, não o que deviam fazer. Eles conheciam uma religião que lhes impunha que só fizessem determinadas coisas como meio de alcançar a retidão – a salvação. E Jesus reiterava: “No Reino, vós deveis ser retos e justos para fazerdes o trabalho”. Muitas vezes ele repetiu: “Sede, portanto, perfeitos, como o vosso próprio Pai no céu é perfeito”. A todo o tempo estava o Mestre explicando aos seus apóstolos desnorteados que a salvação que ele viera trazer ao mundo seria obtida apenas pela crença, pela fé simples e sincera. Disse Jesus: “João pregou um batismo de arrependimento, de pesar pelo modo antigo de viver. Vós ireis proclamar o batismo do companheirismo com Deus. Pregai o arrependimento àqueles que estão em necessidade desse ensinamento, mas àqueles que buscam já a admissão sincera ao Reino, abri as portas bem abertas e convidai-os a entrar na jubilosa comunhão dos filhos de Deus”. Mas era uma tarefa difícil, a de persuadir esses pescadores galileus de que, no Reino, ser reto, por meio da fé, deve vir antes do fazer com retidão, na vida diária dos mortais da Terra.

Outro grande obstáculo para esse trabalho de ensinar aos doze foi a tendência deles de tomar os princípios altamente idealistas e espirituais, da verdade religiosa, e colocá-los na forma de regras concretas de conduta pessoal. Jesus queria apresentar a eles o espírito magnificamente belo da atitude da alma, mas eles insistiam em traduzir esses ensinamentos em regras para o comportamento pessoal. Muitas vezes, quando se asseguravam de lembrar-se daquilo que o Mestre dissera, era quase que certo que eles se esquecessem do que ele não tinha dito. Mas, vagarosamente, eles assimilavam os seus ensinamentos, mesmo porque Jesus era, de fato, tudo o que ele ensinava. O que eles não ganhavam da sua instrução verbal, eles adquiriam, gradualmente vivendo com ele.


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Não estava visivelmente claro para os apóstolos que o seu Mestre achava-se empenhado em viver uma vida de inspiração espiritual para todas as pessoas, de todas as idades, em todos os mundos de um vasto universo. Não obstante o que Jesus dizia a eles, de tempos em tempos, os apóstolos não captaram a idéia de que ele estava fazendo um trabalho, neste mundo, mas que era para todos os outros mundos da sua vasta criação. Jesus viveu a sua vida terrena em Urântia, não para estabelecer um exemplo pessoal de vida mortal, para os homens e mulheres deste mundo, mas antes, para criar um ideal espiritual elevado e inspirador, para todos os seres mortais em todos os mundos.

Nessa mesma tarde, Tomé perguntou a Jesus: “Mestre, tu dizes que devemos transformar-nos como que em pequenas crianças, antes que possamos ganhar a entrada no Reino do Pai, e tu ainda nos preveniste para não sermos enganados por falsos profetas e para não sermos culpados de jogarmos as nossas pérolas diante dos porcos. Agora eu estou honestamente perplexo. Eu não consigo entender os teus ensinamentos”. Jesus respondeu a Tomé: “Por quanto tempo vou tolerar-vos! Vós sempre insistis em tomar literalmente tudo o que eu ensino. Quando eu vos pedi que vos tornásseis crianças pequenas, como preço para a entrada no Reino, eu me referia não à facilidade de serdes enganados, não à mera tendência para acreditar, nem à rapidez para confiar em estranhos agradáveis. O que desejei que vós captásseis, com a ilustração, foi a relação pai-filho. Vós sois as crianças, e é no Reino do vosso Pai que buscais entrar. E, se presente está aquele afeto natural entre toda a criança normal e o seu pai, que assegura um entendimento e uma relação de amor, ela para sempre exclui qualquer necessidade de barganhar pelo amor e pela misericórdia do Pai. E o evangelho que vós ireis pregar tem a ver com uma salvação que vem da realização pela fé dessa mesma relação eterna entre pai e filho”.

A grande característica do ensinamento de Jesus era que a moralidade da sua filosofia originava-se na relação pessoal do indivíduo com Deus – esse mesmo relacionamento entre a criança e o pai. Jesus colocou ênfase no indivíduo, e não na raça nem na nação. Enquanto jantavam, Jesus teve a conversa com Mateus, na qual ele explicou que a moralidade de qualquer ato é determinada pelo motivo do indivíduo. A moralidade de Jesus era sempre positiva. A regra de ouro restabelecida por Jesus demanda contato social ativo; a regra negativa mais antiga poderia ser obedecida em isolamento. Jesus retirou a moralidade de todas as regras e cerimônias e elevou-a aos níveis grandiosos do pensamento espiritual e do viver realmente da retidão.

Essa nova religião de Jesus não estava isenta de implicações práticas, mas tudo o que puder ser encontrado no seu ensinamento, que tiver algum valor prático, seja político, seja social, ou econômico, será uma decorrência natural dessa experiência interior da alma, que manifesta os frutos do espírito na ministração diária espontânea da experiência religiosa pessoal genuína.

Depois que Jesus e Mateus tinham acabado de conversar, Simão zelote perguntou: “Mas, Mestre, todos os homens são filhos de Deus?” E Jesus respondeu: “Sim, Simão, todos os homens são filhos de Deus, e essa é a boa-nova que vós ireis proclamar”. Os apóstolos, todavia, não podiam captar tal doutrina; era uma anunciação nova, estranha e surpreendente. E era por causa desse desejo de imprimir neles essa verdade que Jesus ensinou seus seguidores a tratar a todos os homens como seus irmãos.

Em resposta a uma pergunta feita por André, o Mestre deixou claro que a moralidade do seu ensinamento era inseparável da religião do seu viver. Ele ensinou a moralidade, não a moralidade saída da natureza do homem, mas da relação do homem com Deus.

João perguntou a Jesus, “Mestre, o que é o Reino do céu?” E Jesus respondeu: “O Reino do céu consiste destes três elementos essenciais: primeiro, o reconhecimento


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do fato da soberania de Deus; segundo, a crença na verdade da filiação a Deus; e terceiro, a fé na eficácia do supremo desejo humano fazer a vontade de Deus – de ser como Deus. E esta é a boa-nova do evangelho: a de que, pela fé, todo mortal pode ter esses elementos essenciais à salvação”.

E agora a semana de espera estava acabada, e eles prepararam-se para partir, no dia seguinte, rumo a Jerusalém.