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Por volta das sete horas, nessa terça-feira pela manhã, Jesus encontrou-se com os apóstolos, com o corpo de mulheres e uns vinte e quatro outros discípulos proeminentes, na casa de Simão. Nessa reunião ele despediu-se de Lázaro, dando-lhe aquela instrução que o levou a fugir logo para a Filadélfia, na Peréia, onde mais tarde ligou-se ao movimento missionário cuja sede situava-se naquela cidade. Jesus também disse adeus ao idoso Simão, e deu o seu conselho de despedida ao corpo de mulheres, nunca mais se dirigindo de novo a elas formalmente.
Nessa manhã, ele saudou a cada um dos doze com palavras pessoais. A André ele disse: “Não te desanimes com os acontecimentos que temos pela frente. Mantém um controle firme dos teus irmãos e cuida para que não te vejam abatido”. A Pedro, ele disse: “Não ponhas a tua confiança na força do teu braço, nem nas armas de aço. Estabelece-te nas fundações espirituais das rochas eternas”. A Tiago, Jesus disse: “Não hesites por causa das aparências externas. Permanece firme na tua fé, e logo saberás da realidade daquilo em que crês”. A João, ele disse: “Sê gentil; ama até mesmo os teus inimigos; sê tolerante. E lembra-te de que eu confiei muitas coisas a ti”. A Natanael, ele disse: “Não julgues pelas aparências; permanece firme na tua fé, quando tudo parece desabar; sê fiel à tua missão como embaixador do Reino”. A Filipe, ele disse: “Permanece impassível diante dos acontecimentos que agora são iminentes. Mantém-te inabalado, mesmo quando tu não puderes ver o caminho. Sê leal ao teu juramento de consagração”. A Mateus, ele disse: “Não te esqueças da misericórdia que te recebeu no Reino. Que nenhum homem te trapaceie quanto à tua recompensa eterna. Do mesmo modo que resististe às inclinações da natureza mortal, esteja disposto a ser imperturbável”. A Tomé, ele disse: “Não importa quão difícil possa ser, agora deverás caminhar pela fé e não apenas pelo que os teus olhos vêem. Não duvides de que sou capaz de terminar a obra que iniciei e que finalmente ainda verei todos os meus fiéis embaixadores, no futuro do Reino”. Para os gêmeos Alfeus, ele disse: “Não vos deixeis subjugar pelas coisas que não podeis compreender. Sede fiéis ao afeto dos vossos corações e não depositeis a vossa confiança nos grandes homens, nem na atitude inconstante do povo. Permanecei junto com os vossos irmãos”. A Simão zelote, ele disse: “Simão, tu podes estar despedaçado pelo desapontamento, mas o teu espírito elevar-se-á acima de tudo o que suceder. O que não conseguiste aprender de mim, o meu espírito te ensinará. Busca as realidades verdadeiras do espírito e cessa de atrair-te para as sombras do irreal e do material”. E, para Judas Iscariotes, ele disse: “Judas, eu tenho te amado e tenho orado para que tu ames os teus irmãos. Não te canses de fazer o bem; e eu gostaria de prevenir-te para que tomes cuidado com os trajetos escorregadios da adulação e com os dardos envenenados do medo de ser ridicularizado”.
E quando concluiu essas saudações, ele partiu para Jerusalém com André, Pedro, Tiago e João, enquanto os outros apóstolos ocupavam-se de estabelecer o acampamento do Getsêmane, para onde eles dirigir-se-iam nessa noite, e onde instalariam a sua sede-central para o restante da vida do Mestre na carne. Na metade
da descida do monte das Oliveiras, Jesus parou e conversou por mais de uma hora com os quatro apóstolos.
Durante vários dias Pedro e Tiago tinham-se empenhado em discutir sobre as suas diferenças de opinião sobre os ensinamentos do Mestre a respeito do perdão do pecado. Ambos concordaram em expor a questão a Jesus, e Pedro aproveitou essa ocasião como uma oportunidade apropriada para obter o conselho do Mestre. Assim, Simão Pedro interrompeu a conversa sobre as diferenças entre a louvação e a adoração, perguntando: “Mestre, Tiago e eu não temos a mesma idéia a respeito dos teus ensinamentos sobre o perdão do pecado. Conforme Tiago, tu ensinas que o Pai nos perdoa mesmo antes de lhe pedirmos, e eu sustento que o arrependimento e a confissão devem preceder o perdão. Qual de nós está certo? O que dizes?”
Depois de um breve silêncio, Jesus olhou de modo significativo para todos os quatro e respondeu: “Meus irmãos, vos equivocais nas vossas opiniões, porque não compreendeis a natureza das relações íntimas e amorosas entre a criatura e o Criador, entre homem e Deus. Não captastes a simpática compaixão que o sábio pai nutre pelo seu filho imaturo e algumas vezes equivocado. De fato, é questionável que pais inteligentes e afetuosos sejam algum dia chamados a perdoar a um filho normal comum. As relações de entendimento ligadas às atitudes de amor impedem eficazmente todos os distanciamentos que mais tarde requerem o reajuste pelo arrependimento da parte do filho, para ter o perdão do pai.
“Uma parte de todo pai vive no filho. O pai desfruta da prioridade e da superioridade de compreensão em todas as questões ligadas à relação filho-pai. O pai é capaz de ver a imaturidade do filho, à luz da maturidade paterna mais elevada, da experiência mais amadurecida de companheiro de mais idade. No caso do filho terreno e do Pai celeste, o Pai divino possui a compaixão de um modo infinito e divino, bem como a capacidade de entendimento pelo amor. O perdão divino é inevitável, é inerente e inalienável à compreensão infinita de Deus, no seu conhecimento perfeito de tudo o que concerne ao julgamento equivocado e à escolha errônea do filho. A justiça divina é tão eternamente equânime, que ela incorpora infalivelmente a misericórdia da compreensão.
“Quando um homem sábio compreende os impulsos interiores dos seus semelhantes, ele há de amá-los. E quando amais o vosso irmão, já o perdoastes. Essa capacidade de compreender a natureza do homem e de perdoar os seus erros aparentes é divina. Se fordes pais sábios, desse modo, ireis amar e compreender os vossos filhos, e até perdoá-los quando um desentendimento transitório houver-vos separado aparentemente. O filho, por ser imaturo e faltar-lhe um entendimento mais pleno da profundidade da relação filho-pai, e freqüentemente tem um sentimento de culpa pelo seu distanciamento da aprovação completa do pai; mas o pai verdadeiro não tem consciência de uma tal separação. O pecado é uma experiência da consciência da criatura; não é parte da consciência de Deus.
“A vossa incapacidade ou a falta de disposição de perdoar os vossos semelhantes é a medida da vossa imaturidade, do vosso insucesso em alcançar a compaixão amadurecida, a compreensão e o amor. Vós mantendes rancores e nutris idéias de vingança na proporção direta da vossa ignorância da natureza interior e das verdadeiras aspirações dos vossos filhos e dos vossos semelhantes. O amor é uma realização do impulso divino e interno da vida. Ele baseia-se na compreensão, nutre-se do serviço não egoísta e aperfeiçoa-se na sabedoria”.
Na segunda-feira à noitinha foi realizado um conselho do sinédrio e uns cinqüenta outros líderes selecionados entre escribas, fariseus e saduceus. Essa assembléia chegou ao consenso geral de que seria perigoso prender Jesus em público, por causa da sua influência sobre os sentimentos do povo comum. E também a opinião da maioria foi a de que um certo esforço deveria ser feito a fim de desacreditá-lo aos olhos da multidão, antes que fosse ele preso e trazido a julgamento. E assim vários grupos de homens eruditos foram designados para estar disponíveis na manhã seguinte, no templo, a fim de preparar armadilhas para ele, com perguntas difíceis, e para buscar embaraçá-lo de outros modos perante o povo. Finalmente, fariseus, saduceus e, mesmo, herodianos estavam todos unidos nesse esforço para desacreditar Jesus aos olhos das multidões da Páscoa.
Na terça-feira pela manhã, quando Jesus chegou à praça do templo e começou a ensinar, mal tinha dito umas poucas palavras quando um grupo de estudantes mais jovens das academias, que tinha sido ensaiado com esse propósito, adiantou-se, e o seu porta-voz dirigiu-se a Jesus: “Mestre, sabemos que és um instrutor íntegro, e sabemos que tu proclamas os caminhos da verdade, e que serves apenas a Deus, que não temes a nenhum homem e não tens preferência por nenhuma pessoa. Somos apenas estudantes, e gostaríamos de saber a verdade sobre uma questão que nos perturba; a nossa dificuldade é esta: é lícito que devamos pagar o tributo a César? Devemos pagar ou não devemos pagar?” Jesus, percebendo a hipocrisia e a artimanha deles, lhes disse: “Por que vindes assim para tentar-me? Mostrai-me o dinheiro do tributo e eu vos responderei”. E quando eles lhe entregaram um denário, ele examinou-o e disse: “Esta moeda traz a imagem e a subscrição de quem?” E, então, lhe responderam: “De César”. E Jesus disse: “Dai a César as coisas que são de César, e dai a Deus as coisas que são de Deus”.
Depois de responder assim a esses jovens escribas e aos seus cúmplices herodianos, eles retiraram-se da sua presença, e o povo, mesmo os saduceus, apreciou o desconforto em que ficaram. Mesmo os jovens que tinham participado dessa armadilha maravilharam-se bastante com a sagacidade inesperada da resposta do Mestre.
No dia anterior os dirigentes haviam tentado uma armadilha para pegá-lo diante da multidão, em questões sobre a autoridade eclesiástica, e, tendo fracassado, agora buscavam envolvê-lo em uma discussão lesiva sobre a autoridade civil. Tanto Pilatos quanto Herodes estavam em Jerusalém nesse momento, e os inimigos de Jesus conjecturaram que, se ele ousasse prevenir contra o pagamento do tributo a César, eles poderiam ir imediatamente perante as autoridades romanas e acusá-lo de sedição. Por outro lado, se ele aconselhasse, com todas as letras, o pagamento do tributo, eles calcularam, com acerto, que um tal pronunciamento feriria em muito o orgulho nacional dos seus ouvintes judeus, afastando de si toda a boa-vontade e a simpatia da multidão.
Em tudo isso os inimigos de Jesus foram derrotados, posto que um regulamento bem conhecido do sinédrio, feito para orientar os judeus dispersos entre as nações gentias, dizia que “o direito de cunhar moedas traz consigo o direito de coletar impostos”. Desse modo Jesus escapou de cair na armadilha deles. Se tivesse respondido “não” à pergunta deles teria sido equivalente a incitar a rebelião; se tivesse respondido “sim”, teria chocado o arraigado sentimento nacionalista daquela época. O Mestre não fugiu da pergunta; meramente empregou a sabedoria de dar uma resposta ambivalente. Jesus nunca se mostrava evasivo, era sempre sábio para lidar com aqueles cuja intenção fosse fustigá-lo e destruí-lo.
Antes que Jesus pudesse começar o seu ensinamento, outro grupo se adiantou para fazer perguntas, desta vez um grupo de saduceus eruditos e astutos. O porta-voz deles, aproximando-se de Jesus, disse: “Mestre, Moisés disse que se morresse um homem casado, não deixando filhos, o seu irmão devia ficar com a viúva, engendrando assim uma descendência para o irmão morto. Pois bem, agora aconteceu um caso em que um certo homem que tinha seis irmãos morreu sem deixar filhos; o seu segundo irmão ficou com a sua esposa, mas logo também morreu, não deixando filhos. Do mesmo modo, o irmão seguinte tomou a mulher, mas também ele morreu, não deixando prole. E assim foi, até que todos os seis irmãos tinham ficado com a mulher, e todos os seis morreram sem deixar filhos. E então, depois de todos eles, a própria mulher morreu. Agora, o que gostaríamos de perguntar é o seguinte: Na ressurreição ela será esposa de quem, já que todos os sete irmãos a tiveram?”
Jesus sabia, e também o povo, que esses saduceus não estavam sendo sinceros ao fazer essa pergunta, porque não era provável que um tal caso realmente ocorresse; além do que, essa prática dos irmãos de um homem morto, na busca de dar-lhe filhos, era praticamente uma letra morta entre os judeus. Jesus, entretanto, condescendeu em responder à pergunta maliciosa deles. Ele disse: “Todos vós vos enganais ao fazer tal pergunta, porque não conheceis nem as escrituras, nem o poder vivo de Deus. Sabeis que os filhos deste mundo podem casar e ser dados em matrimônio; mas não pareceis compreender que aqueles que são considerados dignos de alcançar os mundos que estão por vir, depois de haver a ressurreição dos justos, eles nem se casam nem são dados em matrimônio. Aqueles que experimentam a ressurreição dos mortos são mais como os anjos do céu, e nunca morrem. Esses ressuscitados são eternamente os filhos de Deus; eles são os filhos da luz, ressuscitados para progredirem na vida eterna. E, até mesmo o vosso pai Moisés compreendeu isso, pois, em relação à suas experiências com o ramo em chamas, ele ouviu o Pai dizer: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó’. E assim, junto com Moisés, eu declaro que o meu Pai não é o Deus dos mortos, mas dos vivos. Nele todos vós viveis, reproduzis e possuis a vossa existência mortal”.
Quando Jesus terminou de responder essas questões, os saduceus retiraram-se e alguns dos fariseus tanto esqueceram de si que exclamaram: “É verdade, é verdade, Mestre, respondeste bem a esses saduceus descrentes”. Os saduceus não ousaram fazer-lhe mais perguntas, e a gente comum ficou maravilhada com a sabedoria do ensinamento de Jesus.
No seu encontro com os saduceus Jesus apenas recorreu a Moisés porque essa seita político-religiosa só reconhecia a validade de cinco dos chamados Livros de Moisés; eles não aceitavam que os ensinamentos dos profetas fossem admissíveis como base dos dogmas da doutrina. O Mestre, na sua resposta, embora afirmasse positivamente o fato da sobrevivência das criaturas mortais, pela técnica da ressurreição, não aprovou, em nenhum sentido, as crenças farisaicas na ressurreição literal do corpo humano. O ponto que Jesus desejou enfatizar foi o de o Pai haver dito: “ Eu Sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó; e não Eu fui o Deus deles”.
Os saduceus haviam pensado em sujeitar Jesus à influência desmoralizante do ridículo, sabendo muito bem que a perseguição em público, sem dúvida, acarretaria mais simpatia para ele, nas mentes da multidão.
Outro grupo de saduceus tinha sido instruído a fazer perguntas embaraçosas a Jesus, sobre os anjos, mas, quando viram a sorte dos camaradas que haviam tentado jogá-lo na armadilha com perguntas a respeito da ressurreição, decidiram sabiamente ficar em paz; retiraram-se sem nada perguntar. O plano pré-concebido dos fariseus, escribas, saduceus e herodianos, em aliança, consistia em preencher o dia inteiro com esse tipo de perguntas, esperando, com elas, desacreditar Jesus perante o povo e, ao mesmo tempo, impedir efetivamente que ele tivesse tempo para a proclamação dos seus ensinamentos perturbadores.
Então os grupos de fariseus adiantaram-se para fazer perguntas embaraçosas, e o porta-voz deles, sinalizando para Jesus, disse: “Mestre, eu sou um jurista, e gostaria de perguntar-te qual é o mandamento mais importante, na tua opinião?” Jesus respondeu: “Não há senão um mandamento, que é o maior de todos. E este mandamento é: ‘Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, o Senhor é um; e tu amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua mente e com toda a tua força’. Esse é o primeiro e o grande mandamento. E o segundo mandamento é como o primeiro; na verdade, brota diretamente dele, e é: ‘Tu amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum outro mandamento maior do que esses; sobre esses dois mandamentos se apóiam toda a lei e os profetas”.
Quando o jurista percebeu que Jesus tinha respondido, não apenas de acordo com o mais elevado conceito da religião judaica, mas também tinha respondido com sabedoria à vista da multidão reunida, ele julgou que, como prova de coragem, valia mais que ele louvasse abertamente à resposta do Mestre. E então ele disse: “Na verdade, Mestre, tu disseste bem que Deus é um, e que não há nenhum além dele; e que amar a Deus de todo o coração, com todo o entendimento e força, e também amar o semelhante, como a si próprio, é o primeiro grande mandamento; e nós concordamos que esse grande mandamento é muito mais importante do que todo holocausto e sacrifício”. Quando o jurista respondeu assim prudentemente, Jesus, olhando-o de cima, disse: “Meu amigo, percebo que não estás longe do Reino de Deus”.
Jesus dissera a verdade ao afirmar a esse jurista: “Não estás muito longe do Reino”, pois, naquela mesma noite, ele foi ao acampamento do Mestre perto do Getsêmane, professou a sua fé no evangelho do Reino e foi batizado por Josias, um dos discípulos de Abner.
Dois ou três outros grupos de escribas e fariseus presentes tinham tido a intenção de fazer perguntas, mas, ou foram desarmados pela resposta de Jesus ao jurista, ou foram intimidados pelo desapontamento de todos aqueles que haviam tentado enganá-lo com armadilhas. Depois disso, homem algum ousou fazer-lhe mais perguntas em público.
Quando percebeu que não mais lhe fariam perguntas e como o meio-dia estava próximo, Jesus não reassumiu o seu ensinamento e contentou-se em fazer aos fariseus, e aos aliados deles, meramente uma pergunta. Disse Jesus: “Posto que não apresentais mais questões, eu gostaria de propor uma: O que pensais do Libertador? Isto é, de quem ele é filho?” Após uma breve pausa, um dos escribas respondeu: “O Messias é filho de Davi”. E posto que Jesus sabia que se havia discutido muito, mesmo entre os seus próprios discípulos, sobre ser ele ou não filho de Davi, ele fez mais uma pergunta: “Se o Libertador, de fato, é o filho de Davi, como é que,
no Salmo que creditais a Davi, ele próprio, falando do espírito, diz: ‘O Senhor disse ao meu senhor, assenta-te à minha mão direita até que eu ponha os teus inimigos como banqueta para os teus pés’? Se Davi chama a si próprio de Senhor, como ele pode ser o seu filho?”. Embora os dirigentes, os escribas e os sacerdotes principais não dessem nenhuma resposta a essa pergunta, eles abstiveram-se também de propor outras perguntas que servissem como armadilhas. Eles nunca responderam a essa pergunta que Jesus lhes fez, mas, depois da morte do Mestre, tentaram escapar da dificuldade mudando a interpretação desse salmo, de modo a fazê-lo referir-se a Abraão em lugar do Messias. Outros procuraram escapar do dilema negando que Davi fosse o autor desse salmo, chamado de messiânico.
Um momento antes, os fariseus haviam desfrutado da maneira pela qual os saduceus tinham sido silenciados pelo Mestre; agora os saduceus deliciavam-se com o fracasso dos fariseus; mas essa rivalidade era apenas momentânea; eles esqueceram-se rapidamente dessas diferenças tradicionais, unindo-se no esforço de dar um fim aos ensinamentos e às obras de Jesus. Mas em todas essas experiências a gente comum ouviu Jesus com contentamento.
Por volta do meio-dia, enquanto Filipe se ocupava comprando os suprimentos para o novo acampamento, que estavam instalando, naquele dia, perto do Getsêmane, ele foi abordado por uma delegação de estrangeiros, um grupo de crentes gregos da Alexandria, de Atenas e de Roma, cujo porta-voz disse ao apóstolo: “Tu foste indicado a nós por aqueles que te conhecem e, assim sendo, viemos a ti, senhor, com o pedido de ver Jesus, o teu Mestre”. Tomado de surpresa, por encontrar esses gentios gregos proeminentes e indagadores na praça do mercado e, desde que Jesus tinha recomendado tão explicitamente a todos os doze que não se engajassem em qualquer ensinamento público durante a semana de Páscoa, Filipe ficou um pouco confuso quanto à forma certa de lidar com essa questão. Ele havia ficado desconsertado também porque esses homens eram gentios estrangeiros. Se fossem judeus, ou gentios da vizinhança, ele não teria hesitado tanto. E o que fez foi o seguinte: pediu a esses gregos que permanecessem exatamente onde estavam. E quando ele apressou-se, saindo dali, eles supuseram que tivesse ido à procura de Jesus, mas, na realidade, ele correu para a casa de José, onde sabia que André e os outros apóstolos estavam almoçando; e, chamando André lá fora, explicou-lhe o propósito da sua vinda, e então, acompanhado de André, ele voltou até onde os gregos esperavam.
Já que Filipe tinha quase que terminado a compra de suprimentos, ele e André retornaram, com os gregos, à casa de José, onde Jesus recebeu-os; e eles assentaram-se perto dele, enquanto falava aos seus apóstolos e a um certo número de discípulos importantes reunidos para esse almoço. Disse Jesus:
“O meu Pai enviou-me a este mundo para revelar a Sua bondade e o Seu amor aos filhos dos homens, mas aqueles, para quem primeiro eu vim, recusaram-se a receber-me. É verdade que muitos de vós crestes no meu evangelho por vós próprios, mas os filhos de Abraão e os seus líderes estão a ponto de rejeitar-me; e, ao fazê-lo, eles irão rejeitar a Ele que me enviou. Eu tenho proclamado abertamente o evangelho da salvação a esse povo, eu disse-lhes sobre a filiação com alegria, liberdade e uma vida mais abundante no espírito. O meu Pai fez muitas obras maravilhosas entre esses filhos dos homens tiranizados pelo medo. Mas o profeta Isaías referiu-se verdadeiramente a esse povo quando escreveu: ‘Senhor, quem acreditou nos nossos ensinamentos? E a quem o Senhor foi revelado?’ De fato, os líderes do meu povo cegaram deliberadamente os próprios olhos para que não vissem,
e endureceram os próprios corações para que não acreditassem e não pudessem ser salvos. Em todos esses anos eu tenho buscado curá-los das suas descrenças, para que possam receber a salvação eterna do Pai. Sei que nem todos falharam para comigo; alguns de vós de fato crestes na minha mensagem. Nesta sala, agora, estão uns vinte homens que antes foram membros do sinédrio, ou altos membros nos conselhos da nação, ainda que alguns de vós ainda evitais a confissão aberta da verdade para que não vos expulsem da sinagoga. Alguns de vós sois tentados a amar a glória dos homens mais do que a glória de Deus. Mas me vejo obrigado a mostrar paciência para convosco, pois temo pela segurança e lealdade, até mesmo, de alguns daqueles que estiveram por tanto tempo perto de mim, e que viveram tão próximos, e ao meu lado.
“Nesta sala de banquete eu percebo que estão reunidos judeus e gentios em números quase iguais, e eu gostaria de dirigir-me a vós como o primeiro e o último dos grupos aos quais eu possa instruir nos assuntos do Reino, antes de ir para o meu Pai”.
Esses gregos haviam assistido fielmente aos ensinamentos de Jesus no templo. Na segunda-feira à noite eles tiveram uma conversa, na casa de Nicodemos, que perdurou até o amanhecer do dia, e levou trinta deles a escolherem entrar no Reino.
Enquanto encontrava-se diante deles, nesse exato momento, Jesus pôde perceber o fim de uma dispensação e o começo de outra. Voltando a sua atenção para os gregos, o Mestre disse:
“Aquele que crê neste evangelho, não crê meramente em mim mas Naquele que me enviou. Quando olhais para mim, vedes não apenas o Filho do Homem, mas também Aquele que me enviou. Eu sou a luz do mundo, e quem crer no meu ensinamento não mais permanecerá na escuridão. Se vós, gentios, ouvirdes a mim, recebereis as palavras da vida e entrareis imediatamente na liberdade jubilosa da verdade da filiação a Deus. Se os meus semelhantes e compatriotas, judeus, escolhem rejeitar-me e recusar os meus ensinamentos, eu não os julgarei, pois não vim para julgar o mundo, mas para oferecer-lhe a salvação. Aqueles que rejeitarem a mim, entretanto, e se recusarem a receber o meu ensinamento, serão levados a julgamento na época devida, pelo meu Pai e por aqueles que Ele tiver apontado para julgar os que rejeitam a dádiva da misericórdia e as verdades da salvação. Lembrai-vos, todos vós, de que não falo por mim, mas eu declarei fielmente a vós o que o Pai mandou que eu revelasse aos filhos dos homens. E essas palavras que o Pai mandou que eu dissesse ao mundo são palavras de verdade divina, de misericórdia perene e vida eterna.
“Tanto aos judeus quanto aos gentios, eu declaro que é chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado. Vós bem sabeis que, a menos que um grão de trigo caia na terra e morra, ele permanecerá solitário, mas se ele morre em solo bom, brota de novo para a vida e gera muitos frutos. Aquele que ama egoisticamente a sua vida corre o perigo de perdê-la, mas aquele que está disposto a dar a própria vida por minha causa, e pela causa dessa nova palavra de Deus, desfrutará de uma existência mais abundante na Terra e no céu, a vida eterna. Se me seguirdes verdadeiramente, mesmo depois que eu tiver ido para o meu Pai, tornar-vos-eis meus discípulos e servidores sinceros dos vossos semelhantes mortais.
“Sei que minha hora aproxima-se, e estou inquieto. Percebo que o meu povo está determinado a desprezar o Reino, mas rejubilo-me de receber esses gentios buscadores da verdade que vieram aqui hoje perguntando sobre o caminho da luz. O meu coração dói, entretanto, pelo meu povo, e a minha alma está angustiada pelo que me espera. O que posso dizer, quando olho à frente e vejo o que está para suceder a mim? Devo dizer: Pai, salva-me dessa hora terrível? Não! Com esse
mesmo propósito eu vim ao mundo, e, até mesmo, cheguei a esta hora. Devo antes dizer, e orar, para que vos unais a mim: Pai, glorificado seja o vosso nome; seja feita a vossa vontade”.
Quando Jesus disse isso, o Ajustador Personalizado, residente nele antes mesmo da época do seu batismo, apareceu à sua frente, e Jesus fez, bem perceptivelmente, uma pausa, enquanto esse espírito, agora mais poderoso, representando o Pai, dirigiu-se a Jesus de Nazaré, dizendo: “Por muitas vezes Eu glorifiquei o Meu nome nas tuas outorgas, e O glorificarei uma vez mais”.
Conquanto os judeus e os gentios ali reunidos não ouvissem nenhuma voz, eles não puderam deixar de perceber que o Mestre havia feito uma pausa na sua fala enquanto uma mensagem vinha até ele, de alguma fonte supra-humana. Cada um dos homens disse àquele que estava ao seu lado: “Um anjo falou com ele”.
Então, Jesus continuou a explicar: “Tudo isso aconteceu não por minha causa, mas pela vossa. Eu sei, com toda certeza, que o Pai irá receber-me e aceitar a minha missão em vosso favor, mas é necessário que sejais encorajados e preparados para a prova de fogo que vos espera. Deixai-me assegurar-vos de que a vitória finalmente irá coroar os nossos esforços unidos para iluminar e liberar a humanidade. A velha ordem está levando-se a julgamento, eu derrubei o Príncipe deste mundo, e todos os homens tornar-se-ão livres pela luz do espírito que verterei sobre toda a carne, depois que eu tiver ascendido ao meu Pai no céu.
“E agora eu declaro-vos que, se for elevado na Terra e nas vossas vidas, eu atrairei todos os homens para mim e para a fraternidade do meu Pai. Haveis acreditado que o Libertador iria residir para sempre na Terra, mas eu declaro que o Filho do Homem será rejeitado pelos homens, e retornará para o Pai. Por pouco tempo mais eu permanecerei convosco; apenas por pouco tempo a luz da vida estará com essa geração cheia de trevas. Caminhai, enquanto ainda tendes essa luz, para que a escuridão e a confusão vindoura não vos colha de surpresa. Aquele que caminha na escuridão não sabe para onde vai; mas se vós escolherdes caminhar na luz, tornar-vos-eis de fato filhos libertados de Deus. E agora, todos vós, vinde comigo para irmos de volta ao templo e para que eu diga palavras de adeus aos principais sacerdotes, escribas, fariseus, saduceus, herodianos e aos dirigentes ignorantes de Israel”.
Tendo assim falado, Jesus conduziu a todos pelas ruas estreitas de Jerusalém, de volta ao templo. Eles tinham acabado de ouvir o Mestre dizer que deveria ser esse o seu discurso de despedida no templo, e eles o seguiram em silêncio e meditando profundamente.